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Marcos Nogueira

Fazer macarrão em casa é mais fácil do que parece


Minha mãe, neta de italianos, nunca fez macarrão em casa. Passei a infância à base de massa industrial nacional, feita com farinha vagabunda, que ficava mole e empapada ao ser cozida. Era o normal até a década de 1990, quando começaram a chegar as massas italianas. A macarronada de domingo teve um upgrade e tanto, mas o ingrediente básico era sempre Barilla ou algo comprado em uma rotisseria.

Eu cresci com a ideia de que fazer macarrão caseiro era algo de outro mundo. Minha mãe, de vez em quando, me contava de uma máquina de esticar massa que a mãe dela – a vó Carmen Gioielli Bertoni – havia usado em alguma época. A traquitana havia sido abandonada e esquecida, pois ninguém era besta de enfrentá-la.

Não foi culpa da dona Ana. Minha mãe apenas se comportou como uma representante de sua geração.

As crianças da Segunda Guerra (Ana nasceu em 1932) cresceram na escassez absoluta e se tornaram adultas em um mundo completamente diferente de tudo o que houvera antes. A capacidade instalada da indústria, que foi fundamental para abastecer tropas e populações sitiadas, precisava ser ocupada na paz recém-recuperada. Tudo aquilo que havia sido ração de soldado –leite em pó, carne enlatada, pão que fica semanas sem mofar – ganhou embalagem bacana e uma estratégia publicitária que a vendia como modernidade e comodidade na nova ordem.

Não era só o macarrão. Na minha casa, o pudim era feito com uma mistura pronta e encaixotada. O bolo de chocolate, idem. Eu bebia achocolatado e comia gelatina de cores berrantes. Até a casca do bife à milanesa – farinha de rosca, basicamente – era vendida em saquinhos pela Nestlé. Dá-lhe sódio, dá-lhe sacarose. Enfim, sobrevivi. Mas ficou guardado, em algum canto da memória, o gosto nefasto da feijoada em lata.

Comecei a me interessar pela massa caseira quando ganhei o livro Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, de Marcella Hazan, infelizmente fora de catálogo. Marcella, morta em 2013, era uma cozinheira romagnola (da parte costeira da região Emilia-Romagna) que se casou com um americano e passou boa parte da vida adulta no Estados Unidos. Sua culinária é baseada em memórias nostálgicas e adaptada para as condições que ela encontrou no país que a acolheu. Fundamentos é, de longe, o melhor compêndio de culinária italiana já publicado para leigos. Mas não deve ser tomado ao pé da letra sempre. Porque foi escrito para americanos, porque foi publicado 20 anos atrás e porque a autora era italiana – italianos costumam seguir idiossincrasias regionalistas mesmo quando elas não fazem sentido.

Marcella Hazan dizia que nenhuma massa se iguala àquela feita em casa – a não ser, é claro, aquela vendida nas aldeias da região em que ela cresceu.

Sua receita leva simplesmente ovo e farinha. Farinha de trigo comum, não a sêmola de trigo durum usada nas massas industriais. Ela argumenta que a sêmola é moída muito grossa, o que impede amassá-la até atingir a textura ideal do macarrão.

Segui o mandamento de Marcella por quase duas décadas, até que um dia resolvi experimentar a tal sêmola. O resultado é muito melhor, tanto na consistência final da massa cozida quanto na textura durante o preparo: a sêmola não gruda tanto nos dedos e atinge o ponto de esticar muito facilmente.

Por que o veto de Marcella Hazan a essa combinação? Consigo pensar em dois motivos. Primeiro, a sêmola vendida no final do século 20 talvez fosse bem diferente desta que se encontra hoje – a embalagem anuncia que ela é rimacinata, moída duas vezes. Segundo, porque Marcella era uma italiana do Norte. Lá o macarrão leva farinha comum e ovos; a sêmola é um ingrediente do Sul, que é misturado com água nas fábricas de massa. Embaralhar as duas tradições é um tabu e tanto na Itália.

Já fiz tantas vezes essa massa que criei minha própria adaptação da receita. Não uso quantidades precisas. Calculo assim: 1 ovo por pessoa, eventualmente com uma gema extra a cada duas cabeças para dar uma cor amarela mais forte.

Numa bacia, você mistura os ovos com um garfo (sem bater muito) e vai adicionando sêmola (ou farinha) até obter uma espécie de farofa. Continue juntando sêmola aos poucos, até que consistência permita fazer uma bola de massa que não grude nas mãos. Embrulhe essa bola em filme plástico e vá cuidar da vida por uma hora. Fazer o molho é uma boa sugestão.

Então chega a hora de esticar a massa. Divida-a em bolas menores.

Você pode esticar o macarrão com um rolo ou com uma máquina italiana, que tem um sistema de rolos metálicos ajustável para várias espessuras. Eu tenho essa máquina (foto acima), mas parei de usá-la há mais de um ano. Descobri que o método do rolo é muito mais fácil e prático.

Se você tem um rolo em casa, deve ser um daqueles que têm dois pegadores laterais. Ele serve, mas não é o tipo ideal. É melhor usar um rolo longo e sempre com a mesma espessura,para que você aplique a pressão homogeneamente sobre uma área grande de massa. Na foto acima, o modelo que eu encomendei online aqui, enquanto escrevia este post.

O segredo para esticar macarrão é usar muita farinha sobre a superfície de trabalho, colocando mais sempre que surgir a desconfiança de que a massa pode grudar nela mesma ou em outra coisa. Estique a massa com o rolo, girando-o sempre que lhe convier, até obter uma folha com meio milímetro de espessura e, de preferência, retangular. Não tem problema se ficar um pouco mais grossa.

Daí você espalha mais um tanto de farinha sobre essa folha e a enrola como um papiro. Com uma faca ou fatiador de pizza, corte o rolo em tiras da largura que você desejar. Desenrole as tiras e deixe-as reservadas em um canto enfarinhado da superfície de trabalho.

O passo final consiste em cozinhar a massa por dois ou três minutos em água salgada fervente. Eu sugiro que você a sirva com o Melhor e Mais Fácil Molho de Tomate do Mundo, outra receita da Marcella Hazan, que você encontra aqui.

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