Sua avó não sabe assar um lombo tão bom assim
Natal, família reunida. Minha mãe fez lombo. Eu sentava à mesa sem expectativas, porque não compensava alimentá-las. O lombo poderia estar fantástico – ou seco e sem graça. Quando isso acontecia, não havia nenhum imprevisto ou acidente culinário para culpar. Todos concordávamos que se tratava da natureza indomável do lombo de porco. E, fora eu, ninguém na família se incomodava em comer a carne ressecada. Minha mãe pedia desculpas, e todo mundo elogiava a comida. O vinho costumava acabar bem rápido nessas noites festivas.
Lombo suíno é realmente uma desgraça de se preparar. Fica maravilhoso – saboroso e suculento – quando é bem-feito. Mas o intervalo entre o quase cru e o ressecado é estreitíssimo. Como atingir esse ponto sem passar dele. Venho investigando essa questão há muitos anos.
Branca e delicada, essa carne teme o calor muito intenso. Lembro que, lá por volta do ano 2000, vi uma oficina de um chef de Nova York que preparava lombo assado no forno. Seu segredo: a mais baixa temperatura possível.
Ocorre que o forno não é o ambiente mais propício para o lombo. Mesmo com o calor moderado, ele tende a ficar fibroso quando perde um tiquinho de umidade. Outro desafio em seu preparo: reter a umidade. Cobrir com papel-alumínio ajuda, mas é arriscado. Tudo pode ser posto a perder naqueles momentos finais em que você quer tostar o interior da carne.
A sabedoria das avós – das avós mineiras, principalmente – tem a solução para o problema: encerrar o lombo num recipiente fechado. Uma panela com tampa, grande o bastante para acomodar a peça inteira (pedaços menores se ressecam ainda mais rapidamente).
É bom que essa panela seja grossa e de um material que retenha calor. Pode ser de ferro. Eu tenho uma de barro, daquelas que os capixabas usam para fazer moqueca.
Você pode levar a panela ao forno – desde que não haja nenhum material inflamável –, mas me parece preferível cozinhar na boca do fogão. Com o calor direto da chama no fundo da panela, não há a necessidade de tirar a tampa no forno para dourar a carne.
Para manter a umidade, cebolas. O fundo da panela coberto de cebolas, com um pouco de marinada líquida, evapora, faz uma “sauninha” e se transforma em um molho delicioso.
Recentemente descobri outro método infalível para cozinhar lombo: o sous-vide. Trata-se de aquecer a carne numa temperatura inferior à da fervura da água (60 ºC para o ponto que eu gosto) por tempo prolongado, dentro de um saco ziplock. Esta técnica é largamente empregada na culinária profissional, mas apenas recentemente surgiram equipamentos portáteis e com preço razoável, para uso doméstico. Um amigo me trouxe uma dessas engenhocas dos EUA. Depois de cozida a carne, você pode grelhar o exterior na churrasqueira. Fica como na foto acima. A suculência é incomparável, mas você abre mão do molho.
Como a traquitana ainda não se encontra à venda no Brasil, vou poupá-los de mais detalhes do preparo. Se você tiver interesse, dê uma olhada nos sites da Joule (o que eu comprei) e da Anova.
Vamos à receita, então. Após todas as recomendações deste texto, talvez você se assuste com a simplicidade dela. Invente qualquer tempero, desde que mantenha algum líquido na panela o tempo todo (cuidado para não exagerar no molho – a intenção não é fazer um cozido).
LOMBO ASSADO DE PANELA
Ingredientes
1 peça de lombo suíno, com a capa de gordura, com 1 kg a 1,5 kg
3 cebolas médias, picadas grosseiramente
Suco de 3 laranjas
1 colher (sopa) de missô
2 colheres (sopa) de shoyu
3 dentes de alho espremidos
Temperos secos (pimenta-do-reino, noz-moscada, cominho, páprica etc.) a gosto
Modo de fazer
Coloque o lombo, fresco ou congelado, na panela de ferro ou de barro. A capa de gordura deve ficar para baixo. Distribua a cebola ao redor da carne.
Faça um molho com os ingredientes restantes. Despeje sobre o lombo.
Leve a panela tampada ao fogo baixo. Cozinhe por 2 horas e meia, virando a carne de vez em quando.
Retire a carne e reserve. Cozinhe o molho por mais meia hora, adicionando água sempre que estiver seco demais.
Fatie o lombo – o esfriamento da carne é essencial para cortá-la bem – e aqueça-o no molho. Sirva com batatas assadas e/ou farofa.